A
vida me parece meio vazia quando me vejo sentada aqui de frente da janela vendo
prédios cinzentos – de uma metrópole sem sentido. Sinto-me velha quando de
relance meus olhos cansados refletem sob o espelho e acendo mais um cigarro,
sabendo que não posso e não devo temer. Encontrei você perdido em um bar à noite com
suas botas e chapéu, um personagem de um livro do Kerouac em um bar de jazz na
cidade que nada tinha a oferecer. Sem saber o que fazer a bebida foi paga e
acordei com cheiro de uísque sobre quatro braços perdidos. Logo pensei, de
certo modo, que estava ali por engano perdida em lençóis brancos com cheiro de
cigarro barato. Corpos suados, densos e nus.
Respirei
o ar amargo de arrependimento tentando preencher os pulmões e o estômago de
algo que pudesse ser menos azedo que o gosto que tinha entre meus dentes
amarelos. Vasculhei o quarto por um par de calçados entre as garrafas, cigarros
e o frio que saia da ventilação antiga de um apartamento qualquer do centro
antigo da cidade. Onde estou? De quem pertencem esses dedos? Esses cabelos?
Esses sapatos pesados? Apoiei-me tonta em algum canto qualquer entre uma porta
semi-aberta e a pia e tentei lembrar cada segundo entre o último copo de
cerveja e um posto de gasolina e como fui justo eu, parar ali perdida e sem
destino. Engoli em seco o som de blues
que saia do som antigo sob uma escrivaninha e lembrei que da minha vida nada
levaria, nem lembranças perdidas sob o álcool e o desejo de fugir ou
morrer. Arrastei meu corpo para fora
imaginando que, afinal, nada iria lembrar aqueles corpos e eles muito menos de
mim. Nem imaginava que em uma cidade cinzenta dois ou até três corpos poderiam
se encontrar novamente. Três corpos. E saí dali caminhando desejando não apenas
o esquecimento, mas uma xícara doce de café, açúcar sempre foi um erro - pior que o cigarro.
O
apartamento era em uma rua do centro que havia apenas caminhado uma vez, uma
ruela entre um museu e um correio. Aquele mesmo correio que mandei a última
carta para você, antes de tudo. Antes de eu mesma me tornar um ponto vagando
sem sentido pelas ruas, antes de perder o emprego, a casa, as roupas, o bom
senso e a sanidade. Antes de escutar que você havia encontrado “alguém mais
focado, mais coerente” – frase que só esqueço quando sinto meu corpo ficar mais
leve em uma cadeira de bar.
Tomei
meu café doce e voltei para casa desejando que você estivesse ali comigo. Que
um dos corpos fosse o seu, que meu corpo estive entrelaçado ao seu - não a
estranhos. Subi as escadas do prédio
antigo o qual havia me mudado logo depois que você encaixotou todos os livros,
fez suas malas e disse que eu poderia ficar com o apartamento desde que pagasse
o valor do aluguel – sozinha.
Ao
subir as escadas vi duas baratas correrem e pensei o quanto a minha vida já foi
limpa. Abri a porta do apartamento e vi o livro do Caio ao lado da minha
máquina de escrever dentro desse apartamento tão pequeno quanto a minha esperança
de melhorar de vida. Queria fugir.
Queria machucar você. Queria entender. Sentei aqui e escrevi uma carta para
alguém ou para ninguém. Li em voz alta – com o intuito terapêutico de escutar a
própria voz e acendi um cigarro imaginando que a rua cheia, os prédios
cinzentos poderiam me salvar. Dormi o dia inteiro no sofá.
Acordei
com a cabeça doendo e o cinzeiro cheio ao meu lado. Vesti minha blusa branca,
uma calça e passei um batom – um rosto colorido para uma alma sem cor. Desci para um bar qualquer – mais uma noite
para esquecer o que não consigo. Quem sabe mais alguns corpos estranhos ou
espuma no copo. Preciso aprender a viver sem você. É apenas mais uma noite –
como tantas outras.
Lindo, lindo!
ResponderExcluir'Um rosto colorido para uma alma sem cor.'
ResponderExcluirMuito bom.
Depois me cheirou a Bukowski, mas somente por conta das bebidas, do cigarro, ainda há esperança ali...ao contrario do velho que sabia que não havia, e sem as obscenidades claro.
E a referencia a Caio; É o Caio Fernando Abreu?
Porque sem muito porquê me fez lembra de 'Linda, uma história horrível', dele.
Que bom que gostou.
ExcluirCaio para mim sempre será o Abreu, paixão antiga.
:)